Este artigo sobre Poemas Políticos, terceiro livro de Jacinta Passos (Rio de Janeiro: Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1951), foi originalmente publicado no jornal carioca Correio da Manhã, na coluna "Presença da Mulher", em 4 de Outubro de 1951.
A autora do texto e titular da coluna, Yvonne Jean (1911-1981), era belga, chegada ao Brasil na década de 1940, em consequência da Segunda Guerra Mundial. Poliglota, muito culta, profundamente interessada em arte, Yvonne trabalhou em São Paulo e no Rio de Janeiro como jornalista, escritora e intérprete, até se tornar, a partir de 1962, a convite de Darcy Ribeiro, professora da nascente Universidade de Brasília (UnB). Nesta cidade, Yvonne exerceu papel importante como formadora e incentivadora cultural, e também como defensora dos direitos da mulher. Durante o governo militar, Yvonne Jean, comunista, foi perseguida e punida.
Agradeço a João Nascimento a gentileza de localizar e me encaminhar este texto. Graças ao apoio de determinados leitores, vai-se pouco a pouco complementando, como sempre foi o meu desejo, a Fortuna Crítica reunida no volume Jacinta Passos, Coração Militante.
Poemas
Yvonne Jean
Quando um jovem poeta que desconheço me manda um livro, confesso que vou adiando a hora de abri-lo. Escrevem demais poemas entre nós. Isto é, não é bem isso, jamais escreverão demais poemas, e todo jovem digno deste nome sente a necessidade de exprimir seus anseios tumultuosos em versos. O que eu queria dizer é que publicam demais poemas que têm importância para seu autor, tão somente. E, quando se trata de poesia feminina, tenho mais medo ainda, porque não dizê-lo francamente! Tenho medo da pieguice, do amor rimando com dor, das palavras maiores que a gente. Ou então, das poetisas que caem no erro oposto, deixando a melancolia pela participação política que exprimem com palavras que ficariam bem num suelto de jornal mas nada têm que ver com poesia. A participação consciente à vida não deve ser ingenuamente explicada, mas desprender-se naturalmente do poema.
Acabei abrindo "Poemas políticos"... e tive uma alegria tão grande. Que bela poesia! Isto é que é poesia de verdade. Jacinta Passos é um poeta. É poeta quando fala na vida.
"Menina, minha menina,
carocinho de araçá,
cante
estude
reze
case
faça esporte e até discurso,
faça tudo o que quiser
menina!
não esqueça que é mulher.
.....................................................
"– Pelo sinal da pobreza!
– Pelo sinal de mulher!
– Pelo sinal
da nossa cor!
Nós somos gente marcada
– ferro em brasa em boi zebu –
ninguém precisa dizer:
Bernadete, quem és tu?
É poeta quando fala no amor. O "Diálogo na sombra" lembrou-me este colóquio sentimental de Verlaine, o poeta, mas sem a amargura e com a esperança, sem o desespero dos amores findos e com a ternura dos amores que começam.
"– Que dissestes, meu bem?
– Esse gosto.
Donde será que ele vem?
Corpo mortal.
Águas marinhas.
Virá da morte ou do sal?
Esses dois que moram no fundo e no fim.
– De quem falas, amor, do mar ou de mim?"
Envoltos na solidariedade com o povo que sofre, exprimidos numa forma que pegou o sabor da terra, os Poemas políticos de Jacinta Passos são autênticos, quer dizer essencialmente poéticos. E só posso concordar com Sérgio Milliet quando escreve que a Canção da Partida se caracteriza por uma sensibilidade que, por ser bem feminina, nada tem de piegas, porque se mulheres tantas vezes escrevem poemas piegas não é por não serem feitas pela poesia. Bem ao contrário. Tudo as leva até ela. É porque, em geral, não se libertaram dos complexos seculares e têm medo de serem elas mesmas. Jacinta Passos é uma mulher consciente. Reino da terra, riso será, diz a sua "Canção do Brinquedo". Araçá-mirim – Segura o novelo. Segura o novelo. O novelo da vida que encerra a poesia.
2 comentários:
maravilloso
abrazo*
Abraço, Silvia Zappa!
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