5.12.11

Chamado de amor


Chamado de amor

Tanta laranja madura
ai tanta!
que aroma vem do quintal.

A maré já deu passagem
cresce meu canavial

minha vara de condão
cavaleiro, teu punhal.

Jasmim da noite floriu.

Jasmim.

Acabou-se o bem e o mal.

Já tirei os meus sapatos,
vesti meu manto real.

                                           Jacinta Passos

[Este poema de Jacinta integrou originalmente seu terceiro livro, Poemas políticos, publicado no Rio de Janeiro em 1951. Como se comprova pela leitura do poema, este livro, ao contrário do que informa seu título, não foi composto apenas por poesias políticas: sua segunda parte, "Canções Líricas", contém alguns dos mais belos poemas líricos de Jacinta. A poesia foi republicada em Jacinta Passos, coração militante.


27.11.11

Rubens Jardim escreve sobre Jacinta Passos e Orides Fontela























O grande poeta Rubens Jardim, em seu site, escreveu sobre as trajetórias de vida e a poesia de Jacinta Passos e Orides Fontela. O texto aponta aproximações entre as duas escritoras, apesar das diferenças de época e estilos poéticos entre elas: tanto Jacinta quanto Orides foram poetas inspiradas, libertárias, corajosas, independentes, que viveram existências difíceis e enfrentaram estigmas, entre eles o da loucura, sendo até há pouco tempo completamente esquecidas, e hoje ainda procurando um espaço. O texto de Rubens, abaixo reproduzido graças à generosidade do autor, integra a excelente série que o poeta vem postando na internet, "As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira".

AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (12)

Rubens Jardim

Apesar das grandes dificuldades que cercaram a vida destas duas poetas libertárias, Jacinta Passos e Orides Fontela não cederam um milímetro em suas convicções. Ambas enfrentaram, em circunstâncias e tempos diversos, preconceitos e estigmas. E seus embates foram duríssimos.Só que as duas fizeram poesia de alta voltagem, sem frouxidão e derramamentos emocionais. E mereceram a atenção e o aplauso de nomes como Antonio Cândido, Sergio Milliet, José Mindlin e Maria Helena Chauí. Infelizmente, as duas morreram pobres e incompreendidas --em sanatórios. E só recentemente suas obras voltaram a ser publicadas. Presto aqui uma homenagem a elas, alterando o parâmetro da série de 4 poetas por cada postagem. O talento de Jacinta e Orides merece esta modificação --e este destaque. E eu quero contribuir com o resgate dessa poesia alheia a correntes e modismos.

JACINTA PASSOS(1914-1973) – poeta baiana, professora, jornalista, militante política e feminista, nasceu em família rural abastada da região de Cruz das Almas, no Recôncavo Baiano. Foi católica fervorosa e se transformou em comunista ardorosa, nas palavras da filha, Janaína Amado. Publicou 4 livros: Nossos Poemas(1941), Canção da partida (1945), Poemas políticos (1951) e A Coluna (1958),longo poema sobre a Coluna Prestes, empreendida na década de 1920,que buscava mudanças políticas para o Brasil.

Todos os livros de Jacinta tiveram edições pequenas, e estão esgotados há muito tempo. Canção de Partida, por exemplo, teve tiragem de apenas 200 exemplares, numerados e assinados pela autora e ilustrados por Lasar Segall. E embora tenha despertado interesse e atenção de nomes tão importantes como Mário de Andrade, Antonio Candido, Sérgio Milliet e Roger Bastide, a poesia vigorosa e libertária dessa poeta acabou caindo no esquecimento. Eu mesmo, que circulo nesse universo da poesia há mais de 40 anos, só muito recentemente tive acesso ao seu trabalho --e à sua trajetória marcada por tantos conflitos e dificuldades.

Mulher excepcional, no sentido mais literal da palavra, Jacinta Passos abandonou a formação religiosa, comum na época, e passou a lutar, a partir do início da Segunda Guerra Mundial pela paz mundial, contra o fascismo, a opressão das mulheres e das minorias exploradas--conforme destaca Eliane F.C.Lima, em seu blogue.

Mas bem antes disso, quando tinha uns 18 anos, o catolicismo convencional de Jacinta já começou a migrar para o catolicismo social. Aquele que provocou e ainda provoca polêmicas e dissenções. Exemplar é o caso da Teologia da Libertação, tão influente na América Latina,e que acabou levando um de seus mais renomados integrantes, Frei Leonardo Boff, a ser julgado pelos tribunais do Vaticano.O viés desse catolicismo social, formulado pela encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, procurou oxigenar e aproximar a igreja católica de uma nova realidade, desenvolvendo noções como a de bem comum (os bens comuns seriam de responsabilidade de toda a sociedade) e a de destinação universal dos bens (os bens deveriam ser divididos com igualdade entre os homens)

Segundo sua filha, Janaína Amado, responsável pela publicação do livro Jacinta Passos, Coração Militante (2010), sua mãe vivenciou paixões intensas: por homens que a amaram, pela filha da qual foi afastada e pelo partidão onde permaneceu 30 anos na experiência clandestina. O calvário de Jacinta Passos começou em 1951, quando ela passou a sofrer crises nervosas e delírios persecutórios. Diagnosticada como esquizofrênica , vivenciou a violência extrema de diversos internamentos em sanatórios, tratada a eletrochoques, injeções de insulina e isolamento severo.

“Mas jamais deixou de escrever. Em Aracaju, por volta de 1962, foi morar sozinha em um povoado de pescadores. Vivia muito pobremente, em um barraco de madeira, mas possuía uma máquina de escrever, onde, à noite, datilografava poemas e textos políticos, que distribuía pelas ruas durante o dia.”

Janaína conta, ainda, que mesmo após o golpe militar de 1964, Jacinta Passos não abandonou a intensa militância junto a pescadores, estudantes e trabalhadores.”Em 1965 foi detida quando pichava muros da cidade com palavras de ordem contrárias à ditadura. Foi recolhida ao 28º BC de Aracaju e depois transferida para a Casa de Saúde Santa Maria, onde permaneceu até morrer, aos 57 anos, no dia 28 de fevereiro de 1973.” O livro Jacinta Passos, Coração militante, lançamento conjunto das Editoras Corrupio e Edufba em junho de 2010, reúne todo o material encontrado a respeito de Jacinta Passos. Contém ainda poemas esparsos, originalmente publicados em jornais e revistas, jamais reunidos em livro.E uma bela biografia que mostra a trajetória singular da poeta, bem como sua fidelidade às idéias e valores que a levaram a chocar-se contra tudo e contra todos— na contramão do tempo.

Canção do amor livre

Se me quiseres amarCantigas das mães
não despe somente a roupa.

Eu digo: também a crosta
feita de escamas de pedra
e limo dentro de ti,
pelo sangue recebida
tecida
de medo e ganância má.
Ar de pântano diário
nos pulmões.
Raiz de gestos legais
e limbo do homem só
numa ilha.

Eu digo: também a crosta
essa que a classe gerou
vil, tirânica, escamenta.

Se me quiseres amar.

Agora teu corpo é fruto.
Peixe e pássaro, cabelos
de fogo e cobre. Madeira
e água deslizante, fuga
ai rija
cintura de potro bravo.

Teu corpo.

Relâmpago, depois repouso
sem memória, noturno.

(para minha mãe)

Fruto quando amadurece
cai das árvores no chão,
e filho depois que cresce
não é mais da gente, não.

Eu tive cinco filhinhos
e hoje sozinha estou.
Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.

Tão lindos, tão pequeninos,
como cresceram depressa,
antes ficassem meninos
os filhos do sangue meu,
que meu ventre concebeu,
que meu leite alimentou.
Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.

Muitas vidas a mãe vive.
Os cinco filhos que tive
por cinco multiplicaram
minha dor, minha alegria.
Viver de novo eu queria
pois já hoje mãe não sou.
Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.

Foram viver seus destinos,
sempre, sempre foi assim.
Filhos juntinhos de mim,
Berço, riso, coisas puras,
briga, estudos, travessuras,
tudo isso já passou.
Não foi a morte, não foi,
oi!
foi a vida que roubou.

Diálogo na sombra

– Que dissestes, meu bem?

– Esse gosto.
Donde será que ele vem?
Corpo mortal.
Águas marinhas.
Virá da morte ou do sal?
Esses dois que moram no fundo e no fim.

– De quem falas amor, do mar ou de mim?

Canção atual

Plantei meus pés foi aqui
amor, neste chão.

Não quero a rosa do tempo
aberta
nem o cavalo de nuvem
não quero
as tranças de Julieta.

Este chão já comeu coisa
tanta que eu mesma nem sei,
bicho
pedra
lixo
lume
muita cabeça de rei.
Muita cidade madura
e muito livro da lei.

Quanto deus caiu do céu
tanto riso neste chão,
fala de servo calado
pisado
soluço de multidão.

Coisas de nome trocado
– fome e guerra, amor e medo –
Tanta dor de solidão.
Muito segredo guardado
aqui dentro deste chão.
Coisa até que ninguém viu
ai! tanta ruminação
quanto sangue derramado
vai crescendo deste chão.

Não quero a sina de Deus
nem a que trago na mão.
Plantei meus pés foi aqui
amor, neste chão.

1935

Tenso como rede de nervos
pressentindo ah! novembro
de esperança e precipício.

Fruto peco.

Novembro de sangue e de heróis.

Grito de assombro morto na garganta,
soluço seco dor sem nome. Ferido.
De morte ferido. Como um animal ferido. Luta
de entranhas e dentes. Natal.
Sangue. Praia Vermelha.

Sangue.
Sangue. É quase um fio
escorrendo
sangrento
tenaz
por dentro dos cárceres,
nas ilhas
e nos corações que a esperança guardaram.


Eu serei Poesia

A poesia está em mim mesma e para além de mim mesma.
Quando eu não for mais um indivíduo,
eu serei poesia.
Quando nada mais existir ente mim e todos os seres,
os seres mais humildes do universo,
eu serei poesia.
Meu nome não importa.
Eu não serei eu, eu serei nós,
serei poesia permanente,
poesia sem fronteiras.

ORIDES FONTELA (1940-1998) - poeta paulista de São João da Boa Vista, interior de São Paulo. De família muito pobre, seu pai era operário analfabeto, viveu sempre em dificuldades financeiras. Aos 27 anos, depois de cursar a escola normal na terra natal, veio morar em São Paulo e realizar dois sonhos: entrar na USP e publicar um livro.

Fez filosofia, exerceu o magistério e trabalhou como bibliotecária na rede estadual de ensino.

Desde o primeiro livro, Transposição(1969), o discurso apurado de Orides Fontela está marcado pela contenção e pela economia verbal. Aliás, essa característica foi destacada por todos os críticos que se ocuparam de seus livros. Alguns apontaram, nessa marca personalíssima, reverberações da poesia descarnada de João Cabral. Outros, falaram da impessoalidade, da busca pela palavra exata e o culto a um silêncio esfíngico. O certo mesmo é que seus poemas são despidos de tudo o que pode ser considerado acessório e dispensável em poesia. A produção de Orides encontra-se publicada em seis obras, todas de poesia: Transposição (1969), Helianto (1973), Alba (1983), Rosácea (1986), Trevo (1969-1988, reunião de todas as outras obras) e Teia (1996). A única obra em prosa foi Almirantado, publicada no número 4 do caderno Almanaque de literatura e ensaio (1977). Segundo o poeta Donizete Galvão “ela reconhecia que era áspera, sem travas na língua e que se indispunha com as pessoas.” E a comprovação desse seu temperamento explosivo são essas palavras pinçadas pela poeta Nydia Bonetti:“Reclamam, porque eu não falo de amor. Mas então não leram Homero... Eu quis chegar no miolo das coisas. Já fiz duas leituras para auditório de jovens e eles gostaram muito. Isso me deixa reconfortada. Mas, infelizmente, nossos especialistas ainda têm uma visão muito olímpica da poesia. (...) Mas é a velha história: é melhor que falem mal, mas falem de mim. Eu preciso de dinheiro para viver. Minha vida é um retrato da vida dos aposentados do Brasil. E a vida dos poetas no País. Eu queria ser mais enxuta, queria escrever poemas exemplares à moda de Brecht. Sei que não agrada, porque a moda hoje é o barroquismo. A moda é escrever como o Alexei Bueno. A moda é ser difícil. É um fenômeno sociológico e não adianta discutir com os fatos da sociologia. Não quero ir contra ninguém, só quero escrever meus poemas. (...) Eu sou pequena, pobre mulher que escreve uma poesia boa, mas, coitada, não é do meio. Não tenho família, não tenho bens, não freqüento os lugares chiques. É como se eu estivesse invadindo o Olimpo.”

Tão verdadeira e por isso tão poética, Orides Fontela recebeu o prêmio Jabuti de Poesia, em 1983, com Alba , e o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1996, com Teia . Sempre com dificuldades financeiras, no final da vida, acabou sendo despejada de seu apartamento no centro da cidade e foi viver com sua amiga Gerda na Casa do Estudante, um velho prédio na Avenida São João. Era uma pessoa irritadiça e muitas vezes se meteu em encrencas, brigando com seus melhores amigos. Morreu em Campos de Jordão, aos 58 anos, no dia 4 de novembro de 1998, de insuficiência cardiopulmonar, na Fundação Sanatório São Paulo.Em 2006, parte da obra de Orides --"Transposição", "Helianto, "Alba", "Rosácea" e "Teia"-- foi compilada em um exemplar pela Cosac Naify, POESIA REUNIDA com bibliografia ampla e atualizada.

o espelho dissolve
o tempo o espelho aprofunda
o enigma o espelho devora
a face

AXIOMA

Sempre é melhor
               saber
               que não saber.
             
               Sempre é melhor
               sofrer
              que não sofrer
             
              Sempre é melhor
              desfazer
             que tecer

FALA

Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.

Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade)

TEIA

A teia, não
mágica
mas arma, armadilha

a teia, não
morta
mas sensitiva, vivente

a teia, não
arte
mas trabalho, tensa

a teia, não
virgem
mas intensamente
prenhe:

no
centro
a aranha espera.

AS SEREIAS

Atraídas e traídas
atraímos e traímos

Nossa tarefa: fecundar
                      atraindo
nossa tarefa: ultrapassar
                      traindo
o acontecer puro
que nos vive

Nosso crime: a palavra.
Nossa função: seduzir mundos.

Deixando a água original
cantamos
sufocando
o espelho
do silêncio

DESTRUIÇÃO

A coisa contra a coisa:
a inútil crueldade da análise.
O cruel saber que despedaça
o ser sabido.

A vida contra a coisa:
a violentação da forma,
recriando-a em sínteses humanas
sábias e inúteis.

A vida contra a vida:
a estéril crueldade da luz
que se consome
desintegrando a essência
inutilmente. 

19.11.11

Canção atual: Jacinta Passos, uma novantiga poeta



Ela vivenciou a Bahia do início do século XX, imersa na experiência longa e recente da escravidão: senhores e senhoras, os brancos baianos, alicerçados em terras, religião, racismo e alianças políticas, mandavam, enquanto o povo humilde, analfabeto, negro ou mulato obedecia sem remuneração, ao som de suas danças afro-brasileiras e suas revoltas.

Ela vivenciou a Salvador dos anos 1930 e início dos 40, quando a pequena e provinciana cidade da Bahia despertava para os debates literários que rompiam com a tradição parnasiana, para o movimento das esquerdas e das agitações estudantis, as passeatas exigindo nas ruas o fim da Segunda Guerra e das ditaduras, na Europa e no Brasil.

Ela vivenciou a pequena porém agitada São Paulo de meados dos anos 40, quando os intelectuais se uniram para fundar a Associação Brasileira de Escritores e contribuíram para a restauração da democracia no país, quando o Partido Comunista do Brasil foi pela primeira vez legalizado, elegendo Luiz Carlos Prestes e outros para comporem a Assembléia Nacional Constituinte, na democracia.

Ela vivenciou a fervilhante capital da República do inicio dos anos 50, o Rio de Janeiro onde tudo acontecia, da vida noturna trepidante ao vigor dos debates intelectuais e das decisões políticas fundamentais, o centro da vida do país.

Ela vivenciou paixões intensas, por homens que a amaram e alguns a abandonaram. Vivenciou a maternidade, gerando uma filha da qual foi afastada. Vivenciou durante três décadas a experiência ilegal, clandestina e estigmatizadora de militante do Partido Comunista, tendo sido presa. E, a partir de 1951, vivenciou a violência extrema dos diversos internamentos em sanatórios, tratada a eletrochoques, injeções de insulina e isolamento severo, vindo a morrer quando internada.

Todas essas vivências, ela expressou no jornalismo — foi uma das mais ativas jornalistas da Bahia na década de 1940 — e, sobretudo, na poesia. Rabiscando poemas desde muito jovem, publicou em vida quatro livros de poesia elogiados pelos maiores críticos e intelectuais da época (Aníbal Machado, Gabriela Mistral, Oswald de Andrade, José Paulo Paes, José Mindlin, Antonio Cândido...), e escreveu literatura, em poesia e prosa, durante toda a vida, inclusive quando interna, até a véspera de sua morte.

Estamos falando de Jacinta Passos (1914-1973), poeta, escritora, intelectual e jornalista nascida de família rural abastada em Cruz das Almas, Recôncavo da Bahia, católica fervorosa que se transformou em comunista ardorosa, mulher de hábitos livres num Brasil machista, casada em 1944 com o jornalista e escritor James Amado (irmão de Jorge Amado) e, a partir de 1951, diagnosticada como esquizofrênica paranóide, separada e sozinha, vindo a falecer como louca em um sanatório de Aracaju.

As trajetórias literária e humana de Jacinta Passos ficaram esquecidas nas décadas seguintes à sua morte, pois as pequenas tiragens de seus livros estavam esgotadas, pouco se sabendo sobre sua existência atribulada. Recentemente, a poeta voltou a ser alvo de interesse, com a publicação de uma primeira biografia (Dalila Machado, A história esquecida de Jacinta Passos. Salvador, 2000), de um livro de ensaios (Gilfrancisco, Jacinta Passos: a Busca da Poesia. Aracaju, 2007), de uma monografia de Especialização (Danielle Fuad, Passagem de Jacinta Passos pelo Jornal “O Imparcial” (1943). Salvador, 2008), e de Jacinta Passos, coração militante (Salvador, Edufba/Corrupio, 2010), volume organizado por sua filha Janaína Amado, que reúne toda a poesia e a prosa, inclusive a inédita, de Jacinta, uma nova biografia, sua fortuna crítica, diversas fotografias — que revelam uma belíssima mulher — , além de ensaios de escritores e críticos produzidos especialmente para a edição. Foi criado ainda o site http://jacintapassos.com.br.

A poesia de Jacinta Passos, que apenas começa a ser desvendada, é lírica e política, as duas vertentes muitas vezes se mesclando. Seu primeiro livro, Momentos de poesia, de 1942, revela a profunda experiência mística da autora: Senhor,/eu quis fazer de minha vida/meu mais belo poema em teu louvor. Ou:Ouço vozes estranhas/[...]São vozes de sofrimento, de amarguras,/vozes de todas as criaturas/que falam por minha voz./Todas as criaturas que sofreram/ esta ânsia indefinida/ – angústia milenária como a vida –/ de querer atingir o inatingível (O Mar).

A experiência avassaladora do amor está presente desde o primeiro livro: Existimos fundidos num ser único/ que ignora a sucessão no tempo, [...] como um astro sem memória perdido no espaço sem princípio e sem fim (O Momento eterno). Nos segundo e terceiro livros, Canção da partida, de 1945, e Poemas políticos, de 1951, o amor desabrocha em erotismo: Agora teu corpo é fruto./Peixe e pássaro, cabelos de fogo e cobre./ Madeira e água deslizante, fuga/ ai rija/ cintura de potro bravo (Canção do amor livre).

Dois outros temas são caros à poesia de Jacinta Passos: a política e a situação da mulher, o segundo contido no primeiro. Seu último livro, A Coluna, de 1958, é um longo poema épico sobre a Coluna Prestes. Mas raramente Jacinta foi panfletária. Seus versos transformaram política em boa poesia, como em “1935”, sobre a fracassada revolta comunista deste ano, que assim começa: Tenso como rede de nervos/pressentindo ah! Novembro/ de esperança e precipício./Fruto peco. É sobretudo a mulher pobre, duplamente oprimida, a protagonista de vários versos de Jacinta: Nós somos gente marcada/– ferro em brasa em boi zebu –/ninguém precisa dizer:/ Bernadete, quem és tu? (Canção da partida). E: [...] Mulher virgem, condição/para homem dar – nobre gesto –/ resto duma divisão/ se a divisão deixou resto./[...] A flor caída no rio/que a leva para onde quer,/sabia disso e caiu,/seu destino é ser mulher (Canção simples).

Mas talvez seja a evocação da infância “o princípio organizador da obra de Jacinta Passos”, como concluiu o poeta Fernando Paixão. Em seus poemas líricos que evocam a cultura popular de sua Cruz das Almas natal, Jacinta “se apropriou do espírito narrativo do povo e o devolveu crescido e com roupagem nova”, explicou o escritor e crítico Ildásio Tavares. E Jacinta sai cantando: Boi da cara preta não não meu boizinho,/ não pegue neném, não, ele é meu filhinho (Cantiga de ninar). Ou: Camilo, você é pobre/e nunca foi senador,/mas por que é igualzinho/ao retrato de vovô? Ou ainda: Tanta laranja madura/ai tanta!/que aroma vem do quintal./A maré já deu passagem/cresce meu canavial/minha vara de condão/cavaleiro, teu punhal./ Jasmim da noite floriu./ Jasmim./Acabou-se o bem e o mal./Já tirei os meus sapatos,/Vesti meu manto real (Chamado de amor).

Janaína Amado
(Publicado originalmente em Sidarta - jornal de artes e personagens, editado por Sônia Coutinho nº 12.)

*Imagem - foto de Jacinta publicada em Momentos de Poesia, de 1942. 

5.11.11

Espero vocês na Bienal da Bahia, neste domingo!

 O último evento do Café Literário da 10ª Bienal do Livro da Bahia, neste domingo, 06, às 20 horas, tem o tema "Biografia: Em Busca de Uma Grande História". Participação do jornalista e produtor musical Nelson Motta, que está lançando biografia de Glauber Rocha e provocando forte reação, da historiadora Janaína Amado, que produziu uma biografia sobre a poetisa Jacinta Passos, sua mãe, e de Jorge Ramos. O mediador será o jornalista e escritor José de Jesus Barreto, que vai se valer da polêmica para discutir as questões relativas à biografia.

22.10.11

Jacinta Passos no Sidarta



Jacinta Passos, uma novantiga poeta é o texto sobre Jacinta que está no novo número (o 12) de Sidarta - jornal de artes e personagens, editado pela escritora Sonia Coutinho. O número tem colaboração apenas de mulheres, que escrevem sobre livros, poesia, literatura, sonhos... Vale a pena conferir, neste link: http://jornalsidarta.blogspot.com/ 

21.10.11

Jacinta Passos na Bienal do Livro da Bahia



A trajetória de vida e os poemas de Jacinta estarão presentes no Café Literário da X Bienal do Livro da Bahia, em Salvador, no dia 06/11 próximo, às 20:00 hs, numa mesa em que serão discutidas biografias de três baianos. Nelson Motta falará sobre a biografia que escreveu do cineasta Glauber Rocha, Jorge Ramos falará sobre a biografia qe fez do músico e criador de filarmônicas em Cachoeira, Tranquilino Bastos, e Janaína Amado falará sobre a biografia que escreveu da poeta e jornalista Jacinta Passos, sua mãe. Deve dar um bom papo!

Título: Biografia: em busca de uma grande história

Participantes: Nelson Motta, Janaína Amado, Jorge Ramos.

Mediador: José de Jesus Barreto

http://www.bienaldolivrodabahia.com.br/

26.9.11

Canto de louvor perfeito




Consagração


As minhas mãos, minhas humildes mãos,


têm gestos puríssimos de bênção.


Meus pés descobrem caminhos desconhecidos.


Meus lábios dizem palavras que não são minhas,


palavras divinas de amor.


Minha inteligência concebe pensamentos eternos.


Minha alma sofre o peso de dor infinita.


E das profundezas misteriosas de minha vida


transubstanciada,


sobe para ti um canto de louvor perfeito.

[Este poema, escrito em 1938, integra o primeiro livro de Jacinta Passos, Momentos de poesia, publicado em 1942. Pertence à sua fase religiosa, em que a poeta busca a salvação pessoal através do diálogo com o sagrado.]

28.8.11

Cruz das Almas, cidade natal de Jacinta





Jacinta Passos nasceu em 1914 na Fazenda Campo Limpo, município de Cruz das Almas, região do Recôncavo, Estado da Bahia. Poucos anos antes do nascimento de Jacinta, Cruz das Almas tornou-se  vila (1889) e a seguir cidade (1896), sede de município do mesmo nome, separado do município de São Felix. Grandes fábricas de charutos, como a Daneman e a Suerdieck, vieram juntar-se às fábricas caseiras ali existentes, tornando Cruz das Almas um grande centro produtor da matéria-prima e da fabricação de charutos de alta qualidade. O aspecto da cidade, porém, permaneceria acanhado, com aparência rural, por décadas ainda.
As primeiras gerações dos Passos, inclusive a de Jacinta, constituídas por grande número de políticos, foram fortemente influenciadas pelos laços com Cruz das Almas, berço da sua gente, da sua projeção política, proventos, mentalidade e sensibilidade. A cidade natal e sua gente aparecem em vários poemas de Jacinta Passos.

* Fotos antigas da cidade cedidas por Lita Passos,

16.8.11

A casa da fazenda Campo Limpo


Esta foto é da Fazenda Campo Limpo, município de Cruz das Almas, Bahia, onde Jacinta Passos nasceu.  A foto foi tirada de dentro da sala da casa principal, construída em 1865, onde moraram bisavós, avós e pais de Jacinta, e onde ela nasceu e viveu até os 12 anos de idade. As vivências da infância são marcantes na obra de Jacinta.

*Foto de Luiz Carlos Figueiredo, 2004.

9.8.11


1935



Tenso como rede de nervos
pressentindo ah! novembro

de esperança e precipício.

Fruto peco.

Novembro de sangue e de heróis.

Grito de assombro morto na garganta,
soluço seco dor sem nome. Ferido.
De morte ferido. Como um animal ferido. Luta
de entranhas e dentes. Natal.

Sangue. Praia Vermelha.
Sangue.
Sangue. É quase um fio
escorrendo
e sangrento
tenaz
por dentro dos cárceres,
nas ilhas
e nos corações que a esperança guardaram.
Jacinta Passos

Este poema foi publicado no terceiro livro de Jacinta, Poemas Politicos, editado em 1951.
            1935 foi o ano de uma rebelião militar liderada pelos comunistas brasileiros. Planejada para explodir em todo o Brasil em novembro de 1935 e tomar o poder, eclodiu apenas, e de forma muito tímida, em Natal, Recife e Rio de Janeiro, sendo rapidamente esmagada. Seus líderes, inclusive Luiz Carlos Prestes, foram presos.
          Muitos leitores de hoje leram este poema sem conhecer a revolta de 35, e gostaram dele assim mesmo. Isso me parece demonstrar como Jacinta Passos, quando tratava de temas politicos, fazia boa poesia, nao panfleto.

*Imagem - Quadro de Candido Portinari.






26.7.11

Guerreiro Ramos escreveu sobre Jacinta Passos



O pesquisador e professor Gilfrancisco Santos, baiano radicado em Aracaju, Sergipe, autor, entre outros, de Jacinta Passos: a busca da poesia (Aracaju: Coleção GFS, 2007), localizou o texto abaixo, de 1940, escrito pelo sociólogo Alberto Guerreiro Ramos sobre a poesia de Jacinta Passos. Este texto vem acrescentar-se aos da “Fortuna Crítica” inserida no livro Jacinta Passos, Coração Militante, de Janaína Amado. Agradecemos muito ao prof. Gilfrancisco pela generosidade em disponibilizar o resultado de sua pesquisa.

Esta resenha crítica de Guerreiro Ramos refere-se à primeira fase poética de Jacinta, que corresponde aos poemas religiosos e intimistas publicados em seu primeiro livro, Momentos de poesia, de 1942. Mais tarde, Jacinta abandonaria a religião e assumiria uma poesia militante, preocupada com a transformação do mundo real, posição que transpareceu já em seu segundo livro, Canção da partida, de 1945.

Esta resenha  pertence também à fase inicial do pensamento de Alberto Guerreiro Ramos (1915-1982), quando, ainda radicado na Bahia, praticava sobretudo o jornalismo e a crítica literária, ambos dentro do escopo católico, bastante diverso do da sociologia e da política que mais tarde, radicado no Rio de Janeiro e nos EUA, passaria a praticar, tornando-se um dos mais proeminentes sociólogos e pensadores brasileiros do seu tempo.

Esta resenha foi originalmente publicada na revista Cadernos da hora presente, de São Paulo, que circulou de maio de 1939 a agosto de 1940, sob a direção de Tasso da Silveira. A revista tinha como objetivos publicar textos de intelectuais importantes (brasileiros e estrangeiros) e de fazer propaganda das idéias integralistas. Segundo Alberto da Costa e Silva (Revista de História da Biblioteca Nacional, Outubro de 2010, p. 31), nos números da Cadernos da hora presente “colaboraram não só integralistas e escritores que deles estiveram próximos em algum momento [...], mas também autores que não os acompanhavam em suas ideias políticas, como Abgar Renault, Alphonsus de Guimarães Filho, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade e Orígenes Lessa.” Jacinta Passos, que foi católica mas nunca integralista, pertenceu a este último grupo de autores.


Jacinta Passos

“Jacinta Passos é uma personalidade forte. É uma vocação real de poeta. Sua poesia é uma poesia de salvação, de diálogo com Deus.

Jacinta Passos é da família espiritual dos contemplativos. Alma predestinada, não conheceu as tremendas realidades, a atração dos abismos. Sua poesia é um diálogo, entre sua alma e Deus. Sem dúvida, é luta. Mas luta onde não há ranger de dentes, onde não há dilaceramentos de entranhas. Há, nela, apenas, um laivo de nostalgia do paraíso perdido, do estado cerúleo. Não há dessas descontinuidades trágicas e sangrentas que encontramos nos dolorosos, em um S. Agostinho.

Jacinta Passos é inimiga do feio e do baixo. Por temperamento, ela tem a droiture de l´esprit. Seu espírito é direito. É desses temperamentos que não podem estar no meio termo. Ou são santos ou demônios. O aspecto noturno da existência a estarrece. Não gosta da noite que confunde os contornos e os imprecisa e os dilui. Tudo, nela, é claro, como uma paisagem dos trópicos. E sua experiência de Deus é, se se pode falar assim, uma experiência intelectual. Seus problemas inquietantes são os problemas da fé, de aceitar ou recusar Deus. Uma vez imersa na contemplação, aí fica e permanece, em absoluto abandono. Não precisa do conforto humano. Ao contrário, sua paixão arroja-a nos braços do Consolador Invisível. Poesia teológica, esta. Poesia absolutamente em Jesus.

Não é na terra que espera o complemento de sua imagem. Sua poesia está despida de toda nostalgia do amor puramente humano. Ela tem o gosto da solidão, de se bastar a si mesma com Deus.

Tais temperamentos não deixam de ser trágicos. Neles é que se processam as lutas mais terríveis porque, constantemente, estão entre os extremos: Deus e o Diabo. São altivos, eis o termo. Esta altivez, porém, não está livre do perigo de tornar-se um orgulho espiritual, pior do que o da carne. Daí o terrível drama ontológico das almas deste quilate.

Há — diz Newman — duas sortes de santos: a dos que se perdem completamente na vida divina e que, malgrado sua carne e seu sangue, não têm nenhum contato com a natureza humana, e a dos que, mesmo santos, não ficam, por isso, menos homens, mas compreendem o coração humano, podem aproximar-se da alma dos outros e, ao mesmo tempo em que são firmes no caminho da castidade e da paz, podem, com a imaginação, seguir os múltiplos caminhos da paixão e da vingança...

Jacinta Passos é da linhagem dos primeiros.

Jacinta Passos é uma alma difícil. Dir-se-ia claudeliana. Um espírito duro como um penhasco e, ao mesmo tempo, para falar ao gosto de Maritain, um coração doce, efetivamente, mas uma doçura sui-generis, totalmente dirigida para o sobrenatural. O mundo a “desencanta”. Aquele gosto de isolar-se, de solidão com o Cristo é uma forma do “horror à realidade dura e fria”, aos “atritos ásperos da vida”.

No exterior, só as coisas simples a comovem: um crepúsculo na manhã de sol, a música do mar...

Espírito aristocrata e nobre, o seu olhar se dirige reto para a Divina Face, em cuja contemplação se abisma e se abraça...

Os poemas que vão ser lidos apresentam Jacintas Passos como um valor autêntico da poesia brasileira.”

Guerreiro Ramos



(in: revista Cadernos da Hora Presente, São Paulo, 1940, série I, pgs. 149-150. Segue-se uma “Antologia” de Jacinta Passos, até a pg. 155, contendo os seguintes poemas, reunidos em 1942 no seu livro Momentos de poesia: “Manhã de Sol”, “Contrição”, “Consagração”, “Comunhão”, “Maria”, “Vida morta” e “Agonia do horto” )

* Imagem: o jovem Guerreiro Ramos, em idade próxima à que tinha quando escreveu a resenha crítica sobre os primeiros poemas de Jacinta Passos.

16.7.11

Mulher, feminista, comunista ...



"Mulher, feminista, comunista, separada do marido, empobrecida, louca. Muitos foram os estigmas que Jacinta Passos enfrentou. Sua trajetória de vida absolutamente singular, bem como sua fidelidade às ideias e valores que elegeu, levaram-na a chocar-se diuturnamente contra tudo e todos, na contramão do tempo. Seus embates foram duríssimos. Não fugiu a nenhum. Ao contrário, parece que os buscou. Pagou um preço pessoal muito alto pelas escolhas que fez. Jamais se apresentou como vítima. Caneta e lança na mão, escudo de ferro no peito, foi como guerreira que se apresentou, lutando até o último dia de vida contra muitos, inclusive contra uma parte de si mesma. Venceu, foi derrotada e recomeçou várias vezes, sem nunca ter perdido de todo a ternura, como aconselhava Che Guevara – o Che da Revolução Cubana que ela tanto admirou –, pois foi poeta até morrer. "

Este é o primeiro parágrafo da biografia de Jacinta Passos, escrita por sua filha Janaína. Você pode ler o texto completo da biografia no livro Jacinta Passos, coração militante  (Salvador, EDUFBA e Editora Corrupio, 2010), à venda  nas boas livrarias on-line. 

5.7.11

Lina Arao escreve sobre Jacinta Passos

Acaba de ser lançado um livro, coordenado pela escritora e professora Helena Parente Cunha, contendo ensaios acadêmicos sobre a produção de poetas mulheres:

CUNHA, Helena Parente (Coord). Violência simbólica e estratégias de dominação: produção poética de autoria feminina em dois tempos. Rio de Janeiro: Editora da Palavra e Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

Um dos ensaios deste livro trabalha a produção poética de três escritoras, entre elas Jacinta Passos. A obra de Jacinta começa, assim, a ser revisitada por estudiosos e acadêmicos, ganhando novas interpretações, olhares, intertextualidades:

ARAO, Lina. Mulher em três tempos: Luiza Amélia de Queiroz Nunes, Jacinta Passos e Marize Castro. In:   CUNHA, Helena Parente (Coord). Violência simbólica e estratégias de dominação: produção poética de autoria feminina em dois tempos, pp. 226 a 263.

30.6.11

A alegria da poeta



Canção da alegria

Urupemba
urupemba
mandioca aipim!
peneirar
peneirou
que restou no fim?

Peneira massa peneira,
peneira peneiradinha,
(Ai! vida tão peneirada)
peneira nossa farinha.

Olhe o rombo
olhe o rombo
olhe o rombo arrombou!
olhe o cisco
olhe o risco
urupemba furou!

Eh! Sai espantalho
da ponta do galho!

Escorra! Escorra!
Tirai essa borra!

Urupemba
urupemba
mandioca aipim!
peneirar
peneirou
que restou no fim?

Farinha fininha
peneiradinha!


nuinha! nuinha!

Jacinta Passos
 
(Escrito em 1944 e publicado em 1945, no livro "Canção da Partida", este é um dos poemas mais alegres de Jacinta, e também um dos mais citados pelos críticos. A partir de uma atividade então corriqueira entre as mulheres do Recôncavo baiano - peneirar a farinha de mandioca -, Jacinta constrói no poema uma metáfora da sua vida.) 

21.6.11

Obra de Jacinta nas principais bibliotecas brasileiras




Há pouco tempo, o blog da Biblioteca Pública da Bahia anunciou:

"Setor de Documentação Baiana adquire novos títulos ".

Entre estes títulos, está:


"Jacinta Passos, Coração Militante - Janaína Amado

A publicação reúne todo o material encontrado a respeito de uma das figuras mais instigantes da literatura baiana do século XX: a poeta Jacinta Passos (1914-1973), nascida em Cruz das Almas, hoje praticamente desconhecida, porque suas obras estavam esgotadas."

A informação nos lembra que Jacinta Passos, Coração Militante, livro com a obra completa de Jacinta Passos, tanto a publicada quanto a até então inédita , mais sua biografia, fortuna crítica e álbum de fotos, hoje faz parte do acervo das principais bibliotecas do Brasil, e também de algumas grandes bibliotecas internacionais. Vários exemplares foram encaminhados às bibliotecas graças ao apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), que vinculou o financiamento à edição à distribuição de mais de uma centena de volumes às bibliotecas e instituições de ensino e pesquisa, enquanto outros exemplares foram adquiridos pelas próprias bibliotecas. Hoje, a poesia de Jacinta Passos está disponível a todos os leitores e pesquisadores interessados, tanto em bibliotecas quanto em livrarias.

29.5.11

Desenho de Lasar Segall para "Canção da Partida"



Em 1945, o grande artista brasileiro Lasar Segall fez uma série de onze desenhos para o livro "Canção da Partida", o segundo de Jacinta Passos, que seria publicado naquele ano, numa primorosa publicação das Edições Gaveta. Neste livro, foram aproveitados cinco dos desenhos feitos por Segall, entre os quais este, usado na capa do livro, atualmente propriedade de Janaína Amado, filha da poeta. Devido à cor parda do papel, a reprodução não consegue captar toda a beleza dos finos traços de Segall, mas se pode ter uma idéia. Os desenhos originais do grande artista estão catalogados e  acondicionados no Museu Lasar Segall, e foram integralmente reproduzidos no livro "Jacinta Passos, coração militante", graças à autorização da direção do museu. 

1.5.11

Canção para Maria



Canção para Maria


Por que estás triste, Maria,
como noite sem espera,

por que estás triste, Maria,

que eu vi no porto de Santos
e nos campos da Bahia?
Tua fala me responde:
sete e sete são quatorze,
caranguejo peixe é,
como custa ai! como custa

de remar contra a maré.


Vamos, Maria, vamos,
o mundo é céu, terra e mar.


Não tenho pena e consolo,
nem fuga para te dar.


Tua sorte será feita
com o poder de tua mão,
se vence fera e doença,

também fome e solidão,

se vence até a loucura

com o poder de tua mão.
Amanhã vamos à lua
diz a ciência: por que não?
se vence governo e polícia,
ó Maria,
com o poder de tua mão.


Vamos, Maria, vamos,
o mundo é céu, terra e mar


Eu já vejo amanhecendo
tão belo, no seu olhar.


Tão real como teres pés
é a fala do velho Stalin,

é o novo mundo chinês.

Tão certo como um provérbio

que a boca do povo fez.


A paz não chega de graça
como chuva cai do céu.

Quanto suor, pensamento,

quanta bravura escondida,

Maria, neste momento.

Tua sorte é de teu povo,
ninguém pode separar.


Sou povo, não sou cativo,
Quitéria pegou nas armas

Zumbi foi um negro altivo

pelas mãos deste pracinha

foi Hitler queimado vivo,

ó senhor americano,
sou povo, não sou cativo:
teu poder? Era uma vez
histórias da carochinha
e jugo do português.


Verdade tão verdadeira
nem precisa se enfeitar.

Vamos, Maria, vamos,
o mundo é céu, terra e mar.
                                             Jacinta Passos
                                             (em Jacinta Passos, Coração Miliante, Salvador, EDUFBA/Corrupio, 2010, pp 215-217).

[Em "Canção para Maria" estão presentes alguns dos temas caros à obra de Jacinta Passos, como a  mobilização política, sua identificação com a situação das mulheres brasileiras, especialmente as mulheres pobres, do povo, e sua esperança na construção de um mundo mais justo, que identificava com o do socialisno.. Este poema foi publicado pela primeira vez em Fundamentos – revista de cultura moderna. São Paulo: Ano V, n. 31, 1953, p. 10, dos comunistas de São Paulo, que circulou ente julho de 1948 e meados da década de 1950.
Ao final do poema, estão anotados local e data de sua criação: “(São Paulo, 1952)”. Como, durante praticamente todo o ano de 1952, Jacinta esteve internada em sanatórios, no Rio de Janeiro e em São Paulo, é provável que “Canção de Maria” tenha sido escrito quando ela esteve internada.O poema foi publicado pela primeira vez em livro no Jacinta Passos, coração militante].

*Imagem: Cândido Portinari, "Mulher Chorando".

20.4.11

De Jorge Amado, para Jacinta


Na dedicatória da foto, está escrito: "Para James, Jacinta e Jana, o carinho do irmão Jorge. Setembro 1951 - Dobris" Assinado: Jorge.
O escritor Jorge Amado, no exílio no castelo de Dobris (onde ficavam reunidos escritores), na então socialista Tchecoslováquia, enviou foto sua ao irmão James, à cunhada Jacinta e à sobrinha Janaína, que moravam no Rio de Janeiro. No livro Coração militante, há uma carta de Jacinta Passos que se refere a esta foto.   

4.4.11

A solidão da poeta

O sentimento de solidão surge poeticamente muito cedo na obra de Jacinta Passos. O poema abaixo, escrito em 1936, que viria a integrar o primeiro livro da autora, publicado em 1942, é um dos que expressam esse sentimento de solidão absoluta — que, em outros poemas, assume a assumir a forma de um sentimento de exílio:



Solidão


Há em torno de mim muralhas glaciais.

Vivo encerrada dentro de mim mesma,

debruçada

sobre estas profundezas abissais

do meu ser,

sobre esta solidão interior

de um mundo fechado,

áspera solidão inacessível

onde existe

um silêncio gelado,

amargo,

vazio.

(De "Momentos de poesia")
 
* Imagem: Jacinta Passos jovem, criação e montagem de Alice Puente.

31.1.11

Regina Dalcastagnè escreve sobre "Jacinta Passos, coração militante"



(Publicado no Suplemento “Prosa & Verso”, jornal O Globo, Rio de Janeiro, sábado, 29/01/2011)

Relato afetivo de um drama político e familiar

Trazer a público a trajetória e a obra de uma intelectual brasileira ligada ao Partido Comunista em meados do século passado, e esquecida hoje, não deveria ser problema para uma pesquisadora experiente no ramo, com vários livros de História publicados. Mas quando o objeto de estudo é a própria mãe, que não a criou e que passou longos anos de sua vida em clínicas psiquiátricas e sanatórios, o assunto se torna, no mínimo, delicado. E é assim, com extrema delicadeza e cuidado, que Janaína Amado reconstrói os passos de sua mãe, resgatando seus poemas, palestras, artigos de jornais, no belo Jacinta Passos: coração militante.

Num interessante jogo de distanciamento histórico e proximidade afetiva (ou vice-versa), Amado consegue montar um retrato vívido de uma mulher que enfrentou a família (de proeminentes fazendeiros e políticos baianos), a sociedade (que viu a jovem professora católica se transformar em uma ardente jornalista, abandonar a religião e se casar com um rapaz muito mais jovem) e o regime (primeiro o de Vargas e depois o dos generais de 1964). Uma mulher que lutou sem parar pelas ideias em que acreditava, que tomou as rédeas de sua própria vida e que perdeu muitas batalhas, mas que foi derrotada pela esquizofrenia – e por tudo o que significava, e continua significando, um diagnóstico como esse.

Recuperar essa história significa remar contra décadas de silêncio, da família, do mercado editorial, mas também do círculo político e intelectual que a acolheu e depois a excluiu, de diferentes maneiras. Jacinta era casada com James Amado, irmão de Jorge, e conviveu com os principais escritores e artistas de esquerda da época, especialmente em São Paulo. Foi uma das mais ativas jornalistas da Bahia, com posições firmes sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, a necessidade de organização das mulheres e o papel dos intelectuais na política brasileira. Chegou a ser candidata a deputada federal constituinte pelo PCB em 1945 e a deputada estadual em 1947.

Em 1951 ela estava morando no Rio de Janeiro com o marido quando, após um surto, é internada pela primeira vez (aos 37 anos), começando um tratamento à base de eletrochoques, insulina e barbitúricos. Suas crises e alucinações estavam sempre relacionadas com perseguições políticas, “expressavam cercos, agressões, torturas e assassinatos praticados pela repressão”. Jacinta foi presa duas vezes, fazendo discursos nas ruas e pichando muros, mas era liberada com a alegação da família de que tinha problemas mentais. Em 1953 seu casamento acaba e ela volta para Salvador em 1955 – sem marido e com o estigma do internamento, ela perde também seu espaço na vida política e intelectual da cidade.

A sua situação se agrava em 1958, quando ela exige a guarda da filha. Para evitar ir aos tribunais, o ex-marido pede a Carlos Marighela, dirigente do PCB e amigo do casal, que lhe diga que o partido decidiu mandar a menina à União Soviética, para estudar. Essa falsa viagem marca uma separação de 12 anos com Janaína que, quando decide finalmente revê-la, ainda no sanatório, não é reconhecida por ela como sua filha. Jacinta morre em 1973, internada, aos 57 anos de idade.

Jacinta Passos: coração militante traz a íntegra de sua poesia (os quatro livros lançados entre entre 1942 e 1958, todos em pequenas tiragens, apenas um dos quais reeditado, mas também seus poemas esparsos, nunca antes publicados em livro), seus artigos de jornal e textos em prosa e verso escritos nos últimos anos de sua vida (havia ainda sete livros inéditos e uma série de manuscritos, mas eles foram queimados pela irmã e pela mãe, temerosas por seu conteúdo revolucionário). Reúne a fortuna crítica sobre ela, incluindo artigos de Mário de Andrade e Antonio Candido, e traz um conjunto de estudos inéditos sobre sua obra. Há também belas fotos da poeta e sua família, além dos desenhos que Lasar Segall fez especialmente para o segundo livro de Jacinta, Canção de partida, publicado em 1945.

Mas talvez o mais importante da obra seja justamente a biografia escrita por Janaína Amado – um trabalho meticuloso, feito a partir de pesquisa e entrevistas com as pessoas que conviveram com Jacinta, incluindo suas próprias memórias de menina, quase sempre desconfortável, quando não assustada, diante da mãe exigente, com quem se encontrava nas férias e nas raras visitas ao sanatório. É a biografia que nos permite valorizar a obra de Jacinta Passos, reintroduzi-la na história da imprensa, da política e da literatura brasileira, fornecendo novas possibilidades de leituras sobre esse período da história cultural do país.

O livro não deixa de ser uma homenagem a essa intelectual, mas é também uma forma de dizer que a mãe não foi renegada, nem esquecida. Marca, ainda, a necessidade de lembrarmos daquelas que vieram antes de nós e que abriram os caminhos para a independência das mulheres, mesmo que com um alto custo para si próprias.

Regina Dalcastagnè
(Professora de literatura da UnB e pesquisadora do CNPq)

Janaína Amado (org.) – Jacinta Passos: coração militante (poesia, prosa, biografia, fortuna crítica). Salvador: EDUFBA/Corrupio, 2010, 574 páginas.

[*Imagem: foto de Jacinta e Janaína, Rio de Janeiro, 1951; arquivo particular de Janaína Amado)

28.1.11

Algumas opiniões de críticos


Os quatro livros que Jacinta Passos publicou receberam críticas elogiosas dos mais importantes estudiosos de literatura, escritores e críticos literários da época. Abaixo, um resumo de algumas destas opiniões:

. Jacinta Passos se firmou, com Canção da Partida, numa posição de primeira plana na moderna poesia brasileira. (Antonio Cândido, professor, estudioso e crítico de literatura)
. Na feição do poema participante, do poema de luta e de reivindicação social, Jacinta Passos fez sucesso, destacando-se como uma das vozes mais claras e gritantes da nossa poética militante. (Paulo Dantas, escritor e jornalista)

. Tudo é um canto de poesia que vai da poesia mais íntima ao canto longo da libertação, voz da maioria das mulheres conscientes e profundas. (Aníbal Machado, escritor)

. Arrebata, se comunica, ganha a alma. Prolongue a “Canção Simples”, digamos às mulheres. (Gabriela Mistral, poeta chilena, Prêmio Nobel de Literatura em 1945)

. O timbre inconfundivelmente feminino da voz de Jacinta Passos, ao mesmo tempo que lhe garante a autenticidade, a singulariza no quadro da nossa poesia participante ou engajada. (José Paulo Paes, poeta e crítico literário)

. "Canção da Partida" se caracteriza por uma sensibilidade que, por ser bem feminina, nada tem de piegas. (crítico e escritor Sérgio Milliet)

. Esta síntese entre o sabor das formas folclóricas e o sentimento da miséria dos homens, da solidariedade no sofrimento, a profecia de um mundo mais justo e mais fraternal, eu a encontro realizada com sucesso nos poemas de Jacinta Passos. (Roger Bastide, sociólogo e crítico literário francês, especialista em cultura brasileira)

. A poesia de Jacinta Passos foi lida e relida muitas vezes aqui em casa, tanto por mim como pela Guita, minha mulher, e "Cantiga das Mães" é uma de minhas preferências. Há um grande trabalho a fazer para tornar mais conhecida essa obra poética tão boa. (José Mindlin, bibliófilo)

* Imagem: foto inédita de Jacinta Passos adolescente; arquivo particular de Janaína Amado.

25.1.11

Jacinta no Planetanews



O livro de Jacinta Passos foi indicado pelo Planetanews, o site da comunidade brasileira no exterior, que traz contribuições, atividades e indicações principalmente de acadêmicos nossos pelo mundo. Para acessar a indicação, clique aqui.

11.1.11

"Coração militante" à venda também no Submarino!



Você agora pode comprar o livro Jacinta Passos, coração militante - que traz a obra completa, a biografia e a fortuna crítica da poeta e jornalista -, também no site Submarino. Para isto, clique aqui.

O livro é vendido ainda em livrarias e nos sites da Livraria Cultura e da Edufba.