10.1.12

A coluna de fogo: Ildásio Tavares sobre Jacinta Passos



"Jacinta Passos tinha o dom da poesia. Sabia digerir a realidade e devolvê-la transubstanciada em poesia, lirismo – sempre –, uma dramaticidade pungente e, quando necessário, o sopro do épico. E isso se deve a uma imensa habilidade que ela possuía para versejar; para a metaforização e a alegoria, que são pedras de toque do discurso poético. Outra qualidade básica que Jacinta possui é sua pulsação rítmica. Seus poemas são evidentemente calcados na oralidade, o que é óbvio quando ela recria certas cantigas e folguedos infantis; outras vezes, quando a poeta labora com um verso eminentemente erudito, como o trímetro anapéstico, o eneassílabo acentuado de três em três sílabas, comum no romantismo, como em Gonçalves Dias:

Tu choraste em presença da morte?
Na presença da morte choraste?
Não descende o cobarde do forte,
Pois choraste, meu filho não és.

Ou em Castro Alves:

Cai, orvalho de sangue do escravo,
Cai, orvalho na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,
Cresce, cresce, vingança feroz.

Em Jacinta:o

Cavaleiro que passa a galope
tão veloz no cavalo alazão
o seu nome é Luiz Carlos Prestes,
Comandante sem par, Capitão.

Ela, com incrível habilidade poética, consegue arrumar nomes e coisas prosaicas num metro ágil, veloz, guerreiro, que serviu ao bardo maranhense para seu clássico poema épico “I-Juca-Pirama”, e a Castro Alves, para definir a saga do negro. Muito mais do que a simples habilidade de versejar, já chamava a atenção Otto Maria Carpeaux, está a capacidade de ajustar o metro ao tema, ou o tema ao metro de forma a produzir poesia. Foi o que o ouvido privilegiado de Jacinta percebeu no nome do Capitão. Colocou um é na frente, e já tinha os dois anapestos finais. Com o seu nome, fazendo a sinérese do e de nome com é, ela já armou o trímetro:

O seu no—meé—Luiz—CarlosPres—(tes) hípercatalético"

O trecho acima faz parte do ensaio "A coluna de fogo", que o crítico literário, escritor, poeta e professor Ildásio Tavares ( 1940 -2011) escreveu sobre a obra de Jacinta Passos, especialmente para o livro  Jacinta Passos, coração militante. No seu texto, Ildásio não apenas comprovou a excelência poética de Jacinta, como declarou que a alta qualidade de sua poesia se mantém inalterada nos poemas políticos, ao contrário do que pensava o crítico e poeta José Paulo Paes, no artigo "Entre lirismno e ideologia", reproduzido na íntegra no site de Jacinta Passos (no tag "críticas"). A polêmica entre os dois grandes críticos literários ilumina aspectos essenciais da poética de Jacinta, e obriga seus leitores a refletir e a tomar posição.