28.4.13

Yvonne Jean sobre Jacinta Passos

 
 
 
Este artigo sobre Poemas Políticos, terceiro livro de Jacinta Passos (Rio de Janeiro: Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1951), foi originalmente publicado no jornal carioca Correio da Manhã, na coluna "Presença da Mulher", em 4 de Outubro de 1951.
 
A autora do texto e titular da coluna, Yvonne Jean (1911-1981), era belga, chegada ao Brasil na década de 1940, em consequência da Segunda Guerra Mundial. Poliglota, muito culta, profundamente interessada em arte, Yvonne trabalhou em São Paulo e no Rio de Janeiro como jornalista, escritora e intérprete, até se tornar, a partir de 1962, a convite de Darcy Ribeiro, professora da nascente Universidade de Brasília (UnB). Nesta cidade, Yvonne exerceu papel importante como formadora e incentivadora cultural, e também como defensora dos direitos da mulher. Durante o governo militar, Yvonne Jean, comunista, foi perseguida e punida.

Agradeço a João Nascimento a gentileza de localizar e me encaminhar este texto. Graças ao apoio de determinados leitores, vai-se pouco a pouco complementando, como sempre foi o meu desejo, a Fortuna Crítica reunida no volume Jacinta Passos, Coração Militante.


Poemas
 
Yvonne Jean

Quando um jovem poeta que desconheço me manda um livro, confesso que vou adiando a hora de abri-lo. Escrevem demais poemas entre nós. Isto é, não é bem isso, jamais escreverão demais poemas, e todo jovem digno deste nome sente a necessidade de exprimir seus anseios tumultuosos em versos. O que eu queria dizer é que publicam demais poemas que têm importância para seu autor, tão somente. E, quando se trata de poesia feminina, tenho mais medo ainda, porque não dizê-lo francamente! Tenho medo da pieguice, do amor rimando com dor, das palavras maiores que a gente. Ou então, das poetisas que caem no erro oposto, deixando a melancolia pela participação política que exprimem com palavras que ficariam bem num suelto de jornal mas nada têm que ver com poesia. A participação consciente à vida não deve ser ingenuamente explicada, mas desprender-se naturalmente do poema.

Acabei abrindo "Poemas políticos"... e tive uma alegria tão grande. Que bela poesia! Isto é que é poesia de verdade. Jacinta Passos é um poeta. É poeta quando fala na vida.

"Menina, minha menina,
carocinho de araçá,
cante
estude
reze
case
faça esporte e até discurso,
faça tudo o que quiser
menina!
não esqueça que é mulher.


.....................................................

"– Pelo sinal da pobreza!
Pelo sinal de mulher!
 – Pelo sinal
da nossa cor!

Nós somos gente marcada
– ferro em brasa em boi zebu –
ninguém precisa dizer:
Bernadete, quem és tu?


É poeta quando fala no amor. O "Diálogo na sombra" lembrou-me este colóquio sentimental de Verlaine, o poeta, mas sem a amargura e com a esperança, sem o desespero dos amores findos e com a ternura dos amores que começam.

"– Que dissestes, meu bem?

– Esse gosto.
Donde será que ele vem?

Corpo mortal.
Águas marinhas.

Virá da morte ou do sal?
Esses dois que moram no fundo e no fim.

– De quem falas, amor, do mar ou de mim?"

Envoltos na solidariedade com o povo que sofre, exprimidos numa forma que pegou o sabor da terra, os Poemas políticos de Jacinta Passos são autênticos, quer dizer essencialmente poéticos. E só posso concordar com Sérgio Milliet quando escreve que a Canção da Partida se caracteriza por uma sensibilidade que, por ser bem feminina, nada tem de piegas, porque se mulheres tantas vezes escrevem poemas piegas não é por não serem feitas pela poesia. Bem ao contrário. Tudo as leva até ela. É porque, em geral, não se libertaram dos complexos seculares e têm medo de serem elas mesmas. Jacinta Passos é uma mulher consciente. Reino da terra, riso será, diz a sua "Canção do Brinquedo". Araçá-mirimSegura o novelo. Segura o novelo. O novelo da vida que encerra a poesia.

13.4.13

Mais um poema inédito!






A Volta

 Vigia os ventos do mar, marinheiro!

_ Eu nasci naquelas terras
que nunca viram este mar.
Um dia meu pai me disse:
vai menino
rebelde ah! deixa estar
            escola de pobre é marinha,

            aprende o jogo do mar.


Antonio! José! Berilo!

Vigia os ventos do mar!


Tua gente está falando: para onde?
Para onde vão te levar?


            _ Na marinha, dura liça,
             muito bravo conheci.
        
             Meu avô sempre contava

            a história que conto aqui.
 
           Era o tempo do chicote

           surrando marujo até
           deixar caído no chão

           mas um dia um batalhão 
           bradou:
           marujo escravo não é!

          Um negro então comandou.

          
          Mil novecentos e dez.
          
         Oh!  água de Guanabara
     
         quanto mistério guardou,`

         muita cabeça cortada

         por seu crime então pagou.

        O gume das machadinhas,

         oficiais, degolou.

      
         A boca de dez canhões

        a cidade ameaçou,
         
         logo o governo fugiu,
 
        João Cândido ganhou.      


         Tempos depois numa ilha

         o governo se vingou,

        duzentos marujos vivos 

       e bravos, ele queimou.


        Ilha das Cobras!
 
         Este nome nos ficou
       
        desta história de marujo

       valente e bom, como eu sou.


Vigia os ventos do mar, marinheiro!


Antonio! José! Berilo!
Vigia os ventos do mar!


Tua gente está falando: para onde?
Para onde vão te levar?
Segues rumo da Coreia? Marinheiro!
Vigia os ventos do mar!


Aqui te espera a morena
dos olhos cor de avelã.

Vigia: será o porto de Santos

ou dunas de Itapoã?


Tua gente está falando: para onde?

Por trinta milhões de dólares
os gringos vão te levar.


O coreano é trigueiro,

feito eu e tu, marinheiro.

Marinheiro, volta o leme
vigia as ondas do mar.


Aqui te espera teu povo,
a casa é tua. Podes entrar.

Os gringos governam a casa,

tu és um homem, não curvas à frente,
por isto deves voltar.


Antonio! José! Berilo!

Vigia os ventos do mar!

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Este poema foi publicado em “Literatura e Arte”, suplemento literário do jornal comunista Imprensa Popular, do Rio de Janeiro, em 30 de Setembro de 1951 e, até onde sabemos, jamais republicado. Agradeço ao pesquisador João Nascimento a gentileza de fazê-lo chegar a mim.
Quando da publicação de "A volta", Jacinta Passos morava com o marido e a filha no Rio de Janeiro, capital do país, onde desenvolvia intensa atividade política e literária. 
“A volta” tem como tema central a Revolta da Chibata, movimento social ocorrido em 1910 na baía da Guanabara. Chefiados pelo marinheiro negro João Cândido Felisberto, cerca de dois mil e quinhentos marinheiros, rebelados contra a aplicação de castigos físicos (principalmente chibatadas) pela corporação, recusaram-se a deixar os navios, ameaçando bombardear a capital da República. A revolta terminou com a vitória dos marinheiros, que tiveram suas reivindicações atendidas e foram anistiados. Uma semana depois, contudo, uma estranha segunda revolta,  de origem obscura, foi violentamente reprimida pelo governo Hermes da Fonseca, que, já sob estado de sítio,  mandou assassinar muitos marinheiros, vários deles presos na Ilha das Cobras, expulsando também da corporação cerca de dois mil integrantes.  
Além de tratar da Revolta da Chibata, o poema “A volta” estabelece relações entre este movimento social e a situação política no Brasil no início da década de 1950. Seus versos exortam os marinheiros do Brasil a se lembrarem do exemplo de 1910 e a voltarem a se revoltar, desta vez contra a ação do imperialismo americano, no país e no mundo. Há também no poema referências à guerra da Coréia (1950-53), assim como ao porto de Santos (SP), onde era grande, entre os estivadores, a aceitação das idéias comunistas.                 

7.4.13

Os muros das cidades



 
 
Os muros

                      Jacinta Passos

Minha cidade tem muros
de pedra, cimento e cal
tem muros que são tribunas,
painéis, cartilha e coral. 

 
Quem de noite faz as letras

que aparecem de manhã?

Será a mão do poeta

ou a mão da tecelã?

 
Viva Luiz Carlos Prestes!
O petróleo é nosso!

Fora com os americanos!

 
A polícia apaga e as letras

aparecem de manhã.

Será a mão do poeta
ou a mão da tecelã?

 
Minha cidade tem muros
brancos, cinzentos, de cores,

riscos de piche e carvão,

ó, pintores, vinde ver!


Vinde ler a história escrita
nos muros, cada manhã.

Será a mão do poeta
ou a mão da tecelã?

                                            (São Paulo, 1953)
                                       

Este poema, publicado no Suplemento Cultural do jornal comunista “Imprensa Popular“ em  25/07/1954, até agora jamais havia sido republicado. Ele me foi gentilmente enviado pelo pesquisador João Nascimento, a quem muito agradeço.
“Os Muros” foi escrito por Jacinta Passos em 1953, ano em que voltou a ser internada na Clínica Psiquiátrica Charcot, em São Paulo, onde já estivera no ano anterior, as duas vezes com o diagnóstico de esquizofrenia paranoide. Não se sabe se Jacinta compôs este poema durante sua segunda internação no Charcot (quando comprovadamente redigiu o longo poema "A Coluna", depois publicado em livro), ou durante o período em que morou em casa de sua irmã Dulce Passos, também na capital paulista, entre os dois internamentos. “Os Muros” integra a série de poemas políticos de Jacinta.