A Resposta
Jacinta Passos
Há nove meses já que se encontra presa, em São Paulo, Elisa Branco,
condenada a quatro anos e três meses de prisão. Por que foi condenada?
No entender
do juiz que condenou Elisa Branco, o fato de abrir uma faixa com os dizeres “Os
soldados nossos filhos não irão para a Coreia”, e a distribuição de um boletim
da Federação de Mulheres Paulistas sob o título “Ao coração das mães
brasileiras“ significam: “a) fazer propaganda com boletins contra a estrutura e
a segurança do Estado e a ordem social, ao regime jurídico da propriedade, da
família e do trabalho, à organização e ao funcionamento dos serviços públicos,
aos direitos e deveres das pessoas de direito público para com os indivíduos e reciprocamente;
b) incitar diretamente o ódio entre as classes sociais ou instigá-las à luta
pela violência.”
O juiz que
condenou Elisa Branco não pôde encontrar uma justificação para o seu crime nem
mesmo nas leis de sua classe. Deve então ter pensado assim: _ A ordem é
condenar. Mas se não houve crime, dentro da lei? Isto é o diabo. Ora, a lei. A lei
é de matéria plástica, como os brinquedos e caixinhas que os americanos exportam
para o Brasil, a lei é dócil em nossas mãos, pois pode ser amassada,
distorcida, interpretada segundo nossos planos. E assim foi feito. E veio a
condenação. Condenação baseada numa mentira e atirada à face do povo como um
insulto.
Este feito
revolta qualquer pessoa honesta, mas não revolta somente. Faz pensar também:
por que havia ordem de condenar Elisa Branco? É que sua condenação é uma parte
apenas de um plano monstruoso de preparação guerreira do nosso povo. Aqueles
que preparam a guerra – os imperialistas americanos e seus instrumentos, desde
Truman até Getúlio e João Neves – sabem que não basta comprar armas e generais
de traição. É preciso mais, é preciso ir amortecendo a resistência do povo: que
ele se vá acostumando, aos poucos, com o inevitável da guerra, da morte, aos
poucos, hipnotizado, inconsciente, sonâmbulo, até ao suicídio. _ Manifestações de
massa contra a guerra? Contra a intervenção americana na Coreia? Nunca. Vamos
fechar a boca do povo, dizer que a luta pela paz é manobra comunista,que só
interessa aos comunistas, vamos separar os comunistas da massa de explorados,
vamos fechar as organizações de massa que impedem nossos planos guerreiros.
_ Ah, as
mulheres, sobretudo. Como elas odeiam a guerra com ódio animal, na defesa dos
filhos! É preciso fazer calar esta voz no nascedouro; se as mulheres se
levantarem unidas contra a guerra, ai de nós! Serão uma força poderosa. Assim
pensam os homens que têm os poderes nas mãos. Assim agem, preparam o terror
contra uma manifestação feminina, patriótica e pacífica, prendem e condenam Elisa
Branco. Agora ameaçam fechar a Federação de Mulheres do Brasil e a Associação
Feminina do Distrito Federal. Ah! Senhores, lembrai-vos de Angelina e Zélia, das
mulheres de Cruzeiro, de Aparecida em Tupã, das tecelãs do Pará. São nossas
irmãs, sua luta é nossa luta e é a mesma de todas as mulheres simples do Brasil
por uma vida melhor, por um mundo de paz, sem miséria e sem fome. Sabeis qual
seja nossa resposta às vossas ameaças? Trabalhar mais e melhor. Ampliar o nosso
trabalho, falar às mulheres de todos os bairros, na linguagem delas, sem
diferença de cor ou crença ou ideias políticas, dizer da nossa luta por um
mundo melhor, contra a exploração, por um pacto de paz que afaste o perigo da
guerra. Organizar uma massa cada vez mais numerosa de mulheres que participem
do Congresso de Julho, em São Paulo, e realizar o Congresso para largar o
movimento feminino por todo o Brasil, como uma onda poderosa capaz de exigir as
coisas simples e concretas de que precisamos: mais pão, mais saúde, mais
escolas e alegria para a infância, garantia de paz e trabalho para toda a
família brasileira.
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Artigo publicado no jornal Imprensa Popular (órgão do Partido
Comunista Brasileiro), em 9 de Junho de 1951, p. 2. Corrigidos erros ou
omissões de pontuação e grafia, atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado no Brasil em 1995.
Este artigo protesta contra a prisão e condenação da costureira Elisa Branco, nascida em 1912, que, a 7 de setembro de 1950, durante comemoração do Dia da Independência, empunhou uma faixa em frente ao palanque das autoridades, protestando contra o apoio do Brasil aos Estados Unidos na Guerra da Coreia, e contra o possível envio de tropas brasileiras para esta guerra. Condenada pelo Tribunal Militar a 4 anos e 3 meses de prisão, Elisa viu formar-se em torno do seu caso um grande movimento popular, do qual os comunistas participaram intensamente. Em novo julgamento, ocorrido durante o ano de 1951, Elisa Branco foi absolvida. Em 1953, recebeu o Prêmio Stalin, em Moscou.
Este artigo protesta contra a prisão e condenação da costureira Elisa Branco, nascida em 1912, que, a 7 de setembro de 1950, durante comemoração do Dia da Independência, empunhou uma faixa em frente ao palanque das autoridades, protestando contra o apoio do Brasil aos Estados Unidos na Guerra da Coreia, e contra o possível envio de tropas brasileiras para esta guerra. Condenada pelo Tribunal Militar a 4 anos e 3 meses de prisão, Elisa viu formar-se em torno do seu caso um grande movimento popular, do qual os comunistas participaram intensamente. Em novo julgamento, ocorrido durante o ano de 1951, Elisa Branco foi absolvida. Em 1953, recebeu o Prêmio Stalin, em Moscou.
O texto demonstra a profunda ligação
de Jacinta Passos, à época, com o programa e as ideias do Partido Comunista
Brasileiro, assim como sua incansável identificação com os movimentos femininos
e feministas. Em carta de 20 de setembro de 1951 dirigida à cunhada Zélia
Gattai, que se encontrava em Praga, Jacinta escreveu sobre o mesmo assunto: “Hoje
à tarde foi absolvida E. Branco, no S. Tribunal, dois votos contra dois, e o
juiz desempatou a favor. Vitória do movimento de massas para libertá-la.” (in Jacinta Passos, Coração Militante, p.
388).
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Agradeço ao engenheiro João Nascimento a localização e encaminhamento deste artigo de jornal.
Imagem: Elisa Branco quando recebia em Moscou o Premio
Stalin, 1953. PROIN, Arquivo Público do Estado de São Paulo e Universidade de
São Paulo.
2 comentários:
Não há como não admirar esta mulher.
Sabe, Janaina, não sei se já te disse, o quanto ler sobre Jacinta Passos, me emociona.
Posições corajosas, sempre.
Bjos
Que bom que vc gostou, Sueli!
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