_ Eu nasci naquelas terras
que nunca viram este mar.
Um dia meu pai me disse:
vai menino
rebelde ah! deixa estar
escola de pobre é marinha, aprende o jogo do mar.
Antonio! José! Berilo!
Vigia os ventos do mar!
Tua gente está falando: para onde?
_ Na marinha, dura liça,
muito bravo conheci.Meu avô sempre contava
a história que conto aqui.
Era o tempo do chicote
surrando marujo até
deixar caído no chão
mas um
dia um batalhão
bradou:
marujo escravo não é!
Um negro então comandou.
Mil novecentos e dez.
Oh! água de Guanabara
quanto mistério guardou,`
muita cabeça cortada
por seu crime então pagou.
O gume das machadinhas,
oficiais, degolou.
A boca de dez canhões
a cidade ameaçou,
logo o governo fugiu,
João Cândido ganhou.
Tempos depois numa ilha
o governo se vingou,
duzentos marujos vivos
e bravos, ele queimou.
Ilha das Cobras!
Este nome nos ficou
desta história de marujo
valente e bom, como eu sou.
Vigia os ventos do mar, marinheiro!
Antonio! José! Berilo!
Tua gente está falando: para onde?
Segues
rumo da Coreia? Marinheiro!
Vigia
os ventos do mar!Aqui te espera a morena
Vigia: será o porto de Santos
ou dunas de Itapoã?
Tua gente está falando: para onde?
Por
trinta milhões de dólares
os
gringos vão te levar.O coreano é trigueiro,
feito
eu e tu, marinheiro.
Marinheiro,
volta o leme
vigia
as ondas do mar.Aqui te espera teu povo,
Os gringos governam a casa,
tu
és um homem, não curvas à frente,
por
isto deves voltar.Antonio! José! Berilo!
Vigia os ventos do mar!
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Este poema foi publicado em “Literatura e
Arte”, suplemento literário do jornal comunista Imprensa Popular, do Rio de Janeiro, em 30 de Setembro de 1951 e,
até onde sabemos, jamais republicado. Agradeço ao pesquisador João Nascimento a
gentileza de fazê-lo chegar a mim.
Quando da publicação de "A volta", Jacinta Passos morava com
o marido e a filha no Rio de Janeiro, capital do país, onde desenvolvia intensa atividade política e literária.
“A volta” tem como tema central a Revolta
da Chibata, movimento social ocorrido em 1910 na baía da Guanabara. Chefiados pelo
marinheiro negro João Cândido Felisberto, cerca de dois mil e quinhentos
marinheiros, rebelados contra a aplicação de castigos físicos (principalmente
chibatadas) pela corporação, recusaram-se a deixar os navios, ameaçando
bombardear a capital da República. A revolta terminou com a vitória
dos marinheiros, que tiveram suas reivindicações atendidas e foram anistiados. Uma semana depois, contudo, uma estranha segunda revolta, de origem obscura, foi
violentamente reprimida pelo governo Hermes da Fonseca, que, já sob estado de
sítio, mandou assassinar muitos marinheiros,
vários deles presos na Ilha das Cobras, expulsando também da corporação cerca
de dois mil integrantes.
Além de tratar da Revolta da Chibata, o poema “A
volta” estabelece relações entre este movimento social e a
situação política no Brasil no início da década de 1950. Seus versos exortam os marinheiros do Brasil a se lembrarem do exemplo de
1910 e a voltarem a se revoltar, desta vez contra a ação do imperialismo americano,
no país e no mundo. Há também no poema referências
à guerra da Coréia (1950-53), assim como ao porto de Santos (SP), onde era grande, entre os estivadores, a aceitação das idéias comunistas.
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