13.4.13

Mais um poema inédito!






A Volta

 Vigia os ventos do mar, marinheiro!

_ Eu nasci naquelas terras
que nunca viram este mar.
Um dia meu pai me disse:
vai menino
rebelde ah! deixa estar
            escola de pobre é marinha,

            aprende o jogo do mar.


Antonio! José! Berilo!

Vigia os ventos do mar!


Tua gente está falando: para onde?
Para onde vão te levar?


            _ Na marinha, dura liça,
             muito bravo conheci.
        
             Meu avô sempre contava

            a história que conto aqui.
 
           Era o tempo do chicote

           surrando marujo até
           deixar caído no chão

           mas um dia um batalhão 
           bradou:
           marujo escravo não é!

          Um negro então comandou.

          
          Mil novecentos e dez.
          
         Oh!  água de Guanabara
     
         quanto mistério guardou,`

         muita cabeça cortada

         por seu crime então pagou.

        O gume das machadinhas,

         oficiais, degolou.

      
         A boca de dez canhões

        a cidade ameaçou,
         
         logo o governo fugiu,
 
        João Cândido ganhou.      


         Tempos depois numa ilha

         o governo se vingou,

        duzentos marujos vivos 

       e bravos, ele queimou.


        Ilha das Cobras!
 
         Este nome nos ficou
       
        desta história de marujo

       valente e bom, como eu sou.


Vigia os ventos do mar, marinheiro!


Antonio! José! Berilo!
Vigia os ventos do mar!


Tua gente está falando: para onde?
Para onde vão te levar?
Segues rumo da Coreia? Marinheiro!
Vigia os ventos do mar!


Aqui te espera a morena
dos olhos cor de avelã.

Vigia: será o porto de Santos

ou dunas de Itapoã?


Tua gente está falando: para onde?

Por trinta milhões de dólares
os gringos vão te levar.


O coreano é trigueiro,

feito eu e tu, marinheiro.

Marinheiro, volta o leme
vigia as ondas do mar.


Aqui te espera teu povo,
a casa é tua. Podes entrar.

Os gringos governam a casa,

tu és um homem, não curvas à frente,
por isto deves voltar.


Antonio! José! Berilo!

Vigia os ventos do mar!

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Este poema foi publicado em “Literatura e Arte”, suplemento literário do jornal comunista Imprensa Popular, do Rio de Janeiro, em 30 de Setembro de 1951 e, até onde sabemos, jamais republicado. Agradeço ao pesquisador João Nascimento a gentileza de fazê-lo chegar a mim.
Quando da publicação de "A volta", Jacinta Passos morava com o marido e a filha no Rio de Janeiro, capital do país, onde desenvolvia intensa atividade política e literária. 
“A volta” tem como tema central a Revolta da Chibata, movimento social ocorrido em 1910 na baía da Guanabara. Chefiados pelo marinheiro negro João Cândido Felisberto, cerca de dois mil e quinhentos marinheiros, rebelados contra a aplicação de castigos físicos (principalmente chibatadas) pela corporação, recusaram-se a deixar os navios, ameaçando bombardear a capital da República. A revolta terminou com a vitória dos marinheiros, que tiveram suas reivindicações atendidas e foram anistiados. Uma semana depois, contudo, uma estranha segunda revolta,  de origem obscura, foi violentamente reprimida pelo governo Hermes da Fonseca, que, já sob estado de sítio,  mandou assassinar muitos marinheiros, vários deles presos na Ilha das Cobras, expulsando também da corporação cerca de dois mil integrantes.  
Além de tratar da Revolta da Chibata, o poema “A volta” estabelece relações entre este movimento social e a situação política no Brasil no início da década de 1950. Seus versos exortam os marinheiros do Brasil a se lembrarem do exemplo de 1910 e a voltarem a se revoltar, desta vez contra a ação do imperialismo americano, no país e no mundo. Há também no poema referências à guerra da Coréia (1950-53), assim como ao porto de Santos (SP), onde era grande, entre os estivadores, a aceitação das idéias comunistas.                 

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