29.5.11

Desenho de Lasar Segall para "Canção da Partida"



Em 1945, o grande artista brasileiro Lasar Segall fez uma série de onze desenhos para o livro "Canção da Partida", o segundo de Jacinta Passos, que seria publicado naquele ano, numa primorosa publicação das Edições Gaveta. Neste livro, foram aproveitados cinco dos desenhos feitos por Segall, entre os quais este, usado na capa do livro, atualmente propriedade de Janaína Amado, filha da poeta. Devido à cor parda do papel, a reprodução não consegue captar toda a beleza dos finos traços de Segall, mas se pode ter uma idéia. Os desenhos originais do grande artista estão catalogados e  acondicionados no Museu Lasar Segall, e foram integralmente reproduzidos no livro "Jacinta Passos, coração militante", graças à autorização da direção do museu. 

1.5.11

Canção para Maria



Canção para Maria


Por que estás triste, Maria,
como noite sem espera,

por que estás triste, Maria,

que eu vi no porto de Santos
e nos campos da Bahia?
Tua fala me responde:
sete e sete são quatorze,
caranguejo peixe é,
como custa ai! como custa

de remar contra a maré.


Vamos, Maria, vamos,
o mundo é céu, terra e mar.


Não tenho pena e consolo,
nem fuga para te dar.


Tua sorte será feita
com o poder de tua mão,
se vence fera e doença,

também fome e solidão,

se vence até a loucura

com o poder de tua mão.
Amanhã vamos à lua
diz a ciência: por que não?
se vence governo e polícia,
ó Maria,
com o poder de tua mão.


Vamos, Maria, vamos,
o mundo é céu, terra e mar


Eu já vejo amanhecendo
tão belo, no seu olhar.


Tão real como teres pés
é a fala do velho Stalin,

é o novo mundo chinês.

Tão certo como um provérbio

que a boca do povo fez.


A paz não chega de graça
como chuva cai do céu.

Quanto suor, pensamento,

quanta bravura escondida,

Maria, neste momento.

Tua sorte é de teu povo,
ninguém pode separar.


Sou povo, não sou cativo,
Quitéria pegou nas armas

Zumbi foi um negro altivo

pelas mãos deste pracinha

foi Hitler queimado vivo,

ó senhor americano,
sou povo, não sou cativo:
teu poder? Era uma vez
histórias da carochinha
e jugo do português.


Verdade tão verdadeira
nem precisa se enfeitar.

Vamos, Maria, vamos,
o mundo é céu, terra e mar.
                                             Jacinta Passos
                                             (em Jacinta Passos, Coração Miliante, Salvador, EDUFBA/Corrupio, 2010, pp 215-217).

[Em "Canção para Maria" estão presentes alguns dos temas caros à obra de Jacinta Passos, como a  mobilização política, sua identificação com a situação das mulheres brasileiras, especialmente as mulheres pobres, do povo, e sua esperança na construção de um mundo mais justo, que identificava com o do socialisno.. Este poema foi publicado pela primeira vez em Fundamentos – revista de cultura moderna. São Paulo: Ano V, n. 31, 1953, p. 10, dos comunistas de São Paulo, que circulou ente julho de 1948 e meados da década de 1950.
Ao final do poema, estão anotados local e data de sua criação: “(São Paulo, 1952)”. Como, durante praticamente todo o ano de 1952, Jacinta esteve internada em sanatórios, no Rio de Janeiro e em São Paulo, é provável que “Canção de Maria” tenha sido escrito quando ela esteve internada.O poema foi publicado pela primeira vez em livro no Jacinta Passos, coração militante].

*Imagem: Cândido Portinari, "Mulher Chorando".